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O desafio da música em mim

Por: Franciane Nolasco

Olhar para minha relação com a música não é tarefa fácil psicologicamente falando. Encontrar uma expressão musical sempre foi um desafio para mim. Com o tempo, com meus professores e colegas eu percebi que a técnica e a teoria são aliados importantes para nos dar base de interpretação, suporte para representação e campo de reflexão. Mas isso não é tudo. 

 

A música parece ter um poder de nos deixar transparentes, nus e tocados. Fazer música, portanto, sempre envolveu adentrar em um lugar em mim nem sempre fácil de habitar. Pois ali, acontecem tanto os melhores êxtases, os melhores perfumes, as mais belas imagens, quanto os piores venenos e as dores mais cruéis. Ali habitam o mundo compartilhado e a solidão, a luz e a sombra, o vazio e Deus. Sobre aprender a encarar e sustentar esse lugar: trata-se de aprender a ser cada vez mais humano e também de descobrir-se cada vez mais humano. Não a partir de uma corrente intelectual de reflexão, mas de um viver na carne, de um compreender em um lugar onde as palavras não habitam. E também, de conhecer o que você já sempre soube de alguma forma. 

 

Também é sempre um desafio a cada vez, a cada momento são novas descobertas pelas linhas melódicas que te levam a lugares nunca antes visitados. A cada dia de estudo parece que não se dá um passo em direção a uma música correta ou que deveria acontecer, mas a uma música viva e com muitas possibilidades de ser e que a cada momento corre-se o risco de algo fazer sentido e você e o compositor se encontrarem, nem que por um compasso. 

 

Eu não sei exatamente para onde estou indo quando estudo música, tanto o canto quanto o piano. É claro que o desenvolvimento teórico, performático e interpretativo faz parte, no entanto, dentro desse universo humano, onde a diversidade habita, a vida e o som são muito mais para serem explorados, experienciados e morados do que para serem guardados em fórmulas do conhecimento. Finalizo com duas poesias que dentre as muitas que falam sobre essa possibilidade de existência, me tocam. Uma delas, inclusive, embora refira-se a poemas, penso que poderia muito bem referir-se a música. 

Ressentimento do mundo (Para Carlos Drummond de Andrade) - de David Cohen

Enquanto no mundo tem gente pensando

que sabe muito,

eu apenas sinto.

Muito.

Os poemas - Mario Quintana

Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam vôo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti..

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